Nos últimos anos, a Islândia tem experimentado um aumento significativo no turismo, especialmente nas regiões mais afastadas da capital. Locais como os fiordes do oeste, a região de Akureyri e as planícies do sudeste vêm ganhando destaque em roteiros de viagem por oferecerem uma experiência mais íntima e natural. O chamado turismo rural tem se tornado uma tendência entre viajantes que buscam autenticidade, contato com o cotidiano local e paisagens pouco exploradas. Segundo dados do Icelandic Tourist Board, o número de visitantes em áreas rurais aumentou substancialmente na última década, impulsionado pela demanda crescente por destinos fora dos grandes centros urbanos. Este cenário favorece atividades como trilhas, hospedagem em fazendas, observação de auroras boreais e visitas a pequenas comunidades.
Apesar de todo esse crescimento e do apelo natural da paisagem islandesa, um detalhe se destaca: a completa ausência de trens turísticos no país. Essa ausência desperta curiosidade, principalmente quando comparamos com outras nações europeias que utilizam suas redes ferroviárias como parte essencial da experiência de viagem, ligando vilarejos, regiões montanhosas e atrações naturais por rotas panorâmicas. É natural se perguntar por que a Islândia, com seu vasto território repleto de vistas espetaculares, nunca adotou esse modelo. O país parece reunir todas as condições para rotas ferroviárias voltadas ao turismo — ou será que não?
O transporte é um pilar essencial do desenvolvimento turístico. Ele determina não apenas o acesso a determinadas regiões, mas também influencia diretamente na forma como os visitantes vivenciam um destino. Em diversas partes do mundo, trens turísticos se tornaram atrações por si só, oferecendo conforto, segurança e experiências visuais únicas. No contexto islandês, entender a ausência desse tipo de transporte é um passo importante para compreender as escolhas logísticas e estruturais do país, bem como refletir sobre oportunidades futuras de inovação no setor.
A geografia única da Islândia e seus desafios para ferrovias
A geografia da Islândia é, ao mesmo tempo, seu maior atrativo turístico e um dos principais obstáculos para a implantação de ferrovias. O país está localizado sobre a Dorsal Mesoatlântica, uma linha de separação entre placas tectônicas, o que faz com que sua atividade geológica seja constante. O terreno vulcânico e poroso, muitas vezes instável, representa um desafio técnico considerável para qualquer infraestrutura de grande escala. Além disso, a presença de grandes áreas montanhosas e vales profundos, somada a uma rede de rios glaciais que mudam de curso com frequência, dificulta ainda mais o planejamento de uma linha férrea que consiga atravessar o país com segurança e eficiência. A construção de túneis, pontes ou viadutos nessas condições exigiria investimentos gigantescos e um esforço contínuo de manutenção — algo que, para um país de população reduzida, torna-se pouco viável.
Condições climáticas adversas
A Islândia está sujeita a condições climáticas extremas durante boa parte do ano. No inverno, nevascas intensas e acúmulo de gelo transformam o solo e as estradas em ambientes de difícil acesso. Mesmo nas estações mais amenas, o tempo pode mudar drasticamente em questão de minutos, afetando a visibilidade, o estado do solo e a segurança de deslocamento. A combinação de temperaturas negativas, ventos fortes e um solo frequentemente instável — em especial nas regiões de atividade geotérmica — representa um desafio logístico para a manutenção de trilhos e equipamentos ferroviários. Além disso, boa parte do território islandês está exposta a processos de erosão e movimentação do solo que, com o tempo, comprometeriam a estabilidade de qualquer linha férrea construída sem altíssima tecnologia de reforço geotécnico.
Outros países que também enfrentam obstáculos naturais, mas adotaram soluções diferentes
É importante notar que a Islândia não é o único país a enfrentar desafios naturais extremos para a construção de ferrovias. A Suíça, por exemplo, possui uma geografia montanhosa e clima rigoroso, mas conta com uma das redes ferroviárias mais eficientes do mundo, incluindo trens turísticos que atravessam os Alpes. A Noruega também supera fiordes profundos e regiões costeiras escarpadas com pontes, túneis e trens panorâmicos que cortam paisagens inóspitas. No entanto, há uma diferença marcante: esses países possuem populações maiores, maior densidade urbana e tradições ferroviárias consolidadas desde o século XIX. Além disso, seus recursos financeiros — muitas vezes impulsionados pela indústria ou por décadas de planejamento de infraestrutura — tornaram possível a manutenção de sistemas ferroviários mesmo em áreas de difícil acesso. No caso islandês, a combinação de baixa densidade populacional, terreno altamente instável e uma economia inicialmente voltada à agricultura acabou por tornar os investimentos em transporte sobre trilhos uma prioridade secundária ao longo da história.
A história do transporte na Islândia
Diferentemente da maioria dos países europeus, a Islândia nunca desenvolveu uma tradição ferroviária. Desde os primeiros estágios de sua urbanização moderna, o país optou por outras formas de locomoção, mais adaptadas à sua geografia e às suas necessidades demográficas. A pequena população, distribuída de forma esparsa ao longo do litoral, não justificava o investimento em uma infraestrutura ferroviária pesada. Além disso, o foco histórico da economia islandesa concentrava a atividade em áreas portuárias e rurais, muitas vezes de difícil acesso por trilhos. Com isso, o transporte ferroviário nunca chegou a se estabelecer como parte do cotidiano ou do planejamento logístico nacional, nem mesmo entre os centros urbanos.
Estradas circulares e ônibus como solução nacional
Com a ausência de trens, o transporte terrestre islandês evoluiu com base nas rodovias. A construção da Hringvegur, ou Rota 1, uma estrada circular que contorna toda a ilha, foi um divisor de águas na conectividade entre regiões. Ela permite o acesso a praticamente todas as partes habitadas do país e serve como principal via para turistas e moradores. A infraestrutura rodoviária, apesar de simples em alguns trechos, é funcional e tem sido a base da mobilidade nacional. O transporte por ônibus, carros alugados e, em áreas mais remotas, veículos 4×4, tornou-se a solução prática para conectar vilarejos, cidades e atrações naturais. Essa opção se mostrou mais flexível e menos custosa do que a construção de trilhos fixos, permitindo que as rotas se adaptassem ao terreno e às condições climáticas com mais facilidade.
Projeto ferroviário de Reykjavik ao aeroporto (que nunca saiu do papel)
Embora a Islândia nunca tenha tido uma rede ferroviária, um projeto chegou a ser discutido com seriedade: a construção de uma linha de trem ligando a capital Reykjavik ao Aeroporto Internacional de Keflavík. A proposta, que surgiu em diferentes versões ao longo dos últimos anos, previa um trem rápido que conectaria os 50 quilômetros entre os dois pontos, reduzindo o tempo de viagem. No entanto, o projeto enfrentou diversos entraves, como os altos custos de implantação, o impacto da construção e a incerteza quanto ao volume de passageiros fora da alta temporada turística. Com isso, a ideia nunca foi levada adiante de forma concreta, e o transporte entre o aeroporto e a capital continua sendo feito por ônibus e vans — um reflexo direto da preferência nacional por soluções rodoviárias em vez de ferroviárias.
O crescimento do turismo rural e o potencial para trens turísticos
Nos últimos anos, o turismo na Islândia tem se diversificado, com um crescente número de visitantes explorando as regiões além da capital, Reykjavik. As paisagens dramáticas e as atrações naturais do interior do país — como a região dos fiordes do Oeste, as geleiras do Sul e as vastas planícies de lava — têm atraído viajantes em busca de experiências mais autênticas e menos turísticas. Esse movimento reflete uma tendência global, onde os turistas buscam cada vez mais destinos fora dos centros urbanos tradicionais, priorizando o contato com a natureza, a tranquilidade e o envolvimento com as comunidades locais. Em resposta a essa demanda, as agências de turismo islandesas têm se adaptado, oferecendo pacotes que incluem visitas a vilarejos isolados, trilhas em parques nacionais e atividades culturais que revelam o estilo de vida islandês longe das multidões.
Ainda é possível uma ferrovia turística na Islândia?
a crescente demanda por alternativas de transporte de baixo impacto, uma ferrovia turística poderia ser vista como uma forma de conectar os visitantes aos destinos mais remotos do país, ao mesmo tempo em que preservaria as paisagens intocadas. A construção de trilhos que utilizassem energias renováveis, como a geotérmica ou a eólica — fontes abundantes na Islândia — poderia tornar a ferrovia uma opção atrativa para aqueles que buscam uma forma de turismo mais lento.
Uma das maiores barreiras à construção de ferrovias na Islândia sempre foi o alto custo e a complexidade das infraestruturas tradicionais. No entanto, com os avanços tecnológicos, surgem novas possibilidades para sistemas ferroviários mais leves, econômicos e eficientes. Trens elétricos leves, alimentados por fontes renováveis, poderiam reduzir significativamente os custos de implantação e manutenção, além de oferecer um meio de transporte mais silencioso. Esses trens modernos poderiam ser adaptados para as condições locais, como terrenos irregulares e condições climáticas extremas, com menor impacto sobre o solo e as paisagens naturais. A viabilidade de tais tecnologias, combinada com a crescente demanda do turismo no local, poderia abrir caminho para a implementação de rotas ferroviárias turísticas no futuro.
O papel das agências de turismo e investidores privados
Para que uma ferrovia turística seja viável, é fundamental que haja o apoio de investidores privados e o engajamento das agências de turismo. Embora o governo islandês tenha se mostrado cauteloso quanto ao financiamento de grandes projetos de infraestrutura ferroviária, as agências de turismo poderiam desempenhar um papel crucial na viabilização de projetos menores, como rotas ferroviárias panorâmicas ou linhas turísticas sazonais. O interesse do setor privado, especialmente de investidores que buscam opções mais inovadoras, poderia ser fundamental para garantir a construção e manutenção dessas ferrovias. Além disso, as agências de turismo, que já conhecem as preferências e o comportamento dos turistas, poderiam ajudar a projetar os itinerários e promover o novo modelo de transporte para os viajantes. Com o suporte adequado, tanto financeiro quanto promocional, as ferrovias turísticas poderiam se tornar uma atração única na Islândia, oferecendo aos turistas uma maneira emocionante e ecológica de explorar a ilha.
Em Resumo
Ao longo deste artigo, exploramos as diversas razões pelas quais a Islândia nunca implementou ferrovias turísticas, apesar do crescimento do turismo rural. A combinação de um terreno geograficamente desafiador, com montanhas vulcânicas, rios glaciais e um clima severo, tornou a construção de ferrovias não apenas difícil, mas extremamente cara. Além disso, a pequena população islandesa e a natureza sazonal do turismo no país limitam a viabilidade de um sistema ferroviário dedicado. A eficiência dos tours rodoviários, utilizando veículos 4×4 e ônibus, tem se mostrado uma alternativa prática, permitindo acesso a áreas remotas com flexibilidade. Esses fatores, somados à falta de uma tradição ferroviária, ajudam a explicar por que a Islândia, até o momento, optou por soluções mais viáveis para o transporte turístico.
Embora a Islândia ainda não conte com ferrovias turísticas, o país oferece inúmeras outras formas encantadoras de explorar suas paisagens deslumbrantes. Os turistas podem vivenciar a beleza única da ilha por meio de passeios de carro, excursões em veículos 4×4 que enfrentam terrenos difíceis, ou até mesmo de caminhadas que proporcionam uma imersão total na natureza. Além disso, os passeios de barco pelos fiordes e a visitação de áreas geotérmicas e vulcânicas garantem experiências únicas. Portanto, a Islândia continua sendo um destino de tirar o fôlego, oferecendo aos viajantes uma infinidade de alternativas para descobrir sua magia — sem precisar de trilhos para chegar lá.